As fibras alimentares desempenham um papel central na saúde humana, indo muito além da tradicional associação com o funcionamento intestinal. Elas são compostos não digeríveis presentes majoritariamente nos alimentos de origem vegetal e, apesar dessa característica, exercem efeitos fisiológicos profundos sobre o metabolismo, o controle glicêmico, o perfil lipídico, a saciedade, a microbiota intestinal e até mesmo mecanismos celulares relacionados à saúde do cólon.
De modo geral, as fibras podem ser classificadas como solúveis ou insolúveis, e também segundo seu grau de fermentabilidade. Essas características determinam como elas interagem com o organismo. As fibras solúveis formam géis viscosos no estômago, retardando o esvaziamento gástrico e prolongando a sensação de saciedade. Esse processo diminui a velocidade da absorção dos carboidratos, contribuindo para uma menor elevação da glicose pós-prandial e uma resposta insulínica mais moderada. Já as fibras insolúveis, como a celulose, atuam principalmente aumentando o volume e o peso das fezes, além de reterem água no intestino. Esse efeito mecânico estimula o peristaltismo e reduz o tempo de trânsito intestinal, auxiliando na prevenção de constipação.
Uma das contribuições mais importantes das fibras ocorre no intestino grosso, onde a microbiota fermenta parcialmente alguns tipos de fibras como inulina, frutooligossacarídeos (FOS), pectinas e beta-glucanas, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (AGCC): acetato, propionato e butirato. Esses compostos têm efeitos amplos e altamente relevantes. O acetato é o AGCC mais abundante e circula pela corrente sanguínea através da veia porta, podendo ser utilizado como fonte de energia por tecidos como o músculo esquelético e o coração. O propionato atua principalmente no fígado, sendo utilizado em vias de gliconeogênese e também desempenhando um papel importante na redução da síntese endógena de colesterol ao inibir a enzima HMG-CoA redutase. Isso confere ao propionato um potencial efeito protetor sobre o perfil lipídico.
O butirato, por sua vez, é considerado o AGCC mais relevante para a saúde intestinal. Ele serve como principal fonte de energia para os colonócitos, células que revestem o intestino grosso e desempenha funções fundamentais, como estimular a diferenciação celular, modular processos inflamatórios e promover a apoptose de células danificadas ou displásicas. Esses mecanismos tornam o butirato um agente particularmente interessante no estudo da prevenção do câncer colorretal. Embora ainda seja difícil estabelecer relações diretas em humanos devido ao longo período de desenvolvimento desse tipo de câncer, um corpo crescente de evidências sugere que a ingestão adequada de fibras fermentáveis, aliada à produção eficaz de butirato, pode contribuir para a manutenção da integridade da mucosa colônica e para mecanismos protetores ao longo dos anos.
A fermentação das fibras também reduz o pH do intestino grosso, o que melhora a absorção de minerais como cálcio, magnésio e ferro, pois aumenta a proporção de íons livres disponíveis para absorção. Fibras específicas, como inulina e FOS, demonstram um efeito ainda mais pronunciado nesse processo, favorecendo especialmente a absorção de cálcio, algo importante para a saúde óssea e para o funcionamento de processos metabólicos dependentes desse mineral.
Outro aspecto relevante é o papel das fibras na regulação da saciedade através dos AGCC. Esses compostos estimulam receptores intestinais que desencadeiam a liberação de hormônios como o GLP-1, responsável pela sinalização de saciedade após as refeições no sistema nervoso central. Isso contribui não apenas para o controle do apetite, mas também para a melhora da sensibilidade à insulina e da regulação glicêmica, tornando as fibras um recurso nutricional importante para prevenção de diabetes tipo 2 e controle de peso.
Considerando a amplitude desses efeitos, torna-se evidente a importância de uma alimentação rica em fibras, especialmente quando observamos o crescimento de dietas extremamente restritivas em vegetais, como a dieta carnívora, que exclui praticamente todas as fontes de fibras e consequentemente, comprometem processos fisiológicos fundamentais. A médio e longo prazo, uma baixa ingestão de fibras pode afetar negativamente a saúde da microbiota, a produção de AGCC, a integridade intestinal e, potencialmente, elevar o risco de problemas metabólicos e doenças crônicas como obesidade, diabetes tipo 2 e hipercolesterolemia.
Abaixo segue uma tabela com alimentos ricos em fibras e a quantidade aproximada de fibras totais por 100 g. Esses valores podem variar conforme marca, preparo e tipo do alimento, mas servem como referência.
| Alimento (100 g) | Fibras Totais (g) |
|---|---|
| Psyllium | 70–75 g |
| Chia | 34 g |
| Linhaça | 27 g |
| Feijão carioca cozido | 8.5 g |
| Lentilha cozida | 7.9 g |
| Grão-de-bico cozido | 7.6 g |
| Ervilha cozida | 5.5 g |
| Aveia em flocos | 9.1 g |
| Maçã com casca | 2.4 g |
| Banana prata | 2.6 g |
| Arroz integral cozido | 1.8 g |
| Obs: valores aproximados com base em tabelas nacionais de composição de alimentos. |
REFERÊNCIAS:
Cozzolino, S. M. F. (org.). Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. Barueri: Manole, 2020.
Haluch, D.; Conrado, M. Obesidade e Síndrome Metabólica. E-book. 2021.
ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica. Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2022/2023: Tratamento Nutricional do Sobrepeso e Obesidade. São Paulo: ABESO, 2022. Disponível em: https://abeso.org.br/ .
